Na Travessia Entre Espécies: Um Encontro de Almas
- Instituto Lumni TERAPIAS ESPIRITUALISTAS
- 31 de mai.
- 3 min de leitura

Na sinfonia da Criação, há uma partitura sagrada que une seres de diferentes reinos. Um fio invisível, mas vibrante, que tece o destino dos humanos e dos animais numa dança de olhares, silêncios e gestos que não precisam de tradução. Nesta música cósmica, o toque das patas sobre o chão, o miado suave de um gato ao amanhecer, o latido que acolhe a chegada ou o silêncio atento de um olhar animal diante da dor humana — tudo isso é linguagem da alma.
Há uma aliança invisível que se firmou há milênios, quando os primeiros animais se aproximaram do fogo humano. Não vieram apenas por abrigo ou alimento. Vieram porque havia algo em nós que os convocava: o sagrado da escuta, a promessa da troca. Nós os domesticamos, sim, mas talvez sem perceber, também fomos domesticados por eles. Com cada gesto de cuidado, com cada tigela preenchida, com cada noite em que dormimos lado a lado, fomos aprendendo a amar o que é outro, a respeitar o que é diverso.
Eles nos servem com generosidade silenciosa — oferecem leite, ovos, companhia, trabalho. Mas ao cruzarem o limiar da selva para a soleira da nossa porta, eles também deram o primeiro passo de um salto evolutivo. Perderam, aos poucos, o instinto selvagem, e em troca ganharam rotina, afeto, linguagem, nome. Ao vivenciarem a intimidade conosco, esses seres passaram a experimentar algo raro no mundo natural: a consciência do vínculo. E é neste ponto que a alquimia acontece.
Quando falamos com nossos animais, quando os ensinamos, os protegemos, os inserimos em nosso cotidiano — como filhos, irmãos ou mestres — ativamos neles a semente de um novo ser. A inteligência que despertamos neles é, ao mesmo tempo, o espelho da nossa. Eles nos tornam melhores, mais pacientes, mais presentes. E nós os tornamos mais sensíveis, mais atentos, mais próximos da luz que pulsa em todos os seres vivos.
A responsabilidade que assumimos por esses companheiros é imensa. Uma vez domesticados, não podem mais retornar à selva. Eles se tornaram nossos — não por posse, mas por vínculo. E isso exige de nós uma ética amorosa que transcende a lógica da utilidade. Amá-los é educar o próprio coração. É ultrapassar o instinto de domínio e abrir espaço para a coabitação sagrada.
Há dias em que essa troca silenciosa se revela em cenas pequenas, mas profundamente tocantes. Como naquela manhã em que, ainda sob a penumbra, abri as cortinas do quarto e fui surpreendida pela lua cheia, derramando sua luz prateada sobre tudo. Ao meu lado, Aurora — minha companheira de jornada, minha gata — se levantou e veio comigo até a janela, como sempre faz. Ficamos ali, lado a lado, em contemplação. Um instante simples, mas cheio de sentido: éramos duas almas, tão diferentes em forma, mas unidas por uma mesma vibração de presença e beleza. Desde que ela chegou, minha casa se tornou mais viva e meu coração mais cheio. Trago presentes para ela como quem retorna a um amor: pequenas brincadeiras, comidinhas que ela ama, gestos de cuidado que me preenchem tanto quanto a ela. Às vezes, volto mais cedo da rua só para estar com ela. Não por obrigação, mas por alegria. Por saber que o amor mora ali, deitado ao meu lado, olhando a lua comigo.
Há quem diga que um dia, quando o ciclo se completar, esses animais — nossos irmãos menores — darão um salto quadridimensional. Adquirirão consciência de si, e então, iniciarão sua própria jornada de individuação. E nós, humanos, ao sermos fiéis a esse laço, também subiremos um degrau em nossa própria escada espiritual. Porque não se trata apenas de evoluir em tecnologia ou intelecto. A verdadeira ascensão acontece quando somos capazes de amar o outro — ainda que peludo, instintivo, ou mudo — como extensão do divino.
Assim, vejo a interação entre homem e animal como um caminho de refinamento mútuo. Um percurso em que a natureza se transforma, e nos transforma. Um processo paciente, profundo e silencioso, onde realidades se entrelaçam e novos mundos se tornam possíveis.
É nesse cotidiano de miados, lambidas, ronrons e silêncios que a Criação segue sendo aperfeiçoada. E quando um humano e um gato se olham nos olhos — sem palavras, mas com total presença — algo se eleva no universo. Algo que não pode ser apagado.
Carmem Farage
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